quinta-feira, março 04, 2004

Nós por cá …

Mariana

Já faz tempo que não te escrevo … Já faz tempo que não passo para o papel as longas cartas que te escrevo mentalmente.
Porquê? Porque acho que não posso começar da maneira habitual, como já te deste conta.

“Como estás tu? Nós, por cá, todos bem!”

A segunda frase já deixou de fazer sentido há algum tempo, já nem recordo o dia em que ela fez sentido pela última vez.

“Nós, por cá, todos bem!”

Nós continuamos por cá, mas a distância da minha terra, do meu sol, das minhas alegrias, pesa-me cada vez mais.
Parece que esta noite interminável me escurece também a alma, parece que a temperatura gélida, gela mais do que o meu corpo.
Sinto-me perdida e sem ninguém com quem falar, sem ninguém com quem ter aquelas conversas loucas, noite fora, como costumávamos fazer em casa da tua avó.
Nunca pensei que a barreira da língua pudesse ter um peso tão grande. Eu falo, eu escuto, mas falta-me a eloquência da língua materna, daquela cujos sons nos acompanham desde o ventre da nossa mãe.
Sinto saudades de brincar com as palavras, dos trocadilhos marotos que me conheces. Faço-os agora solitariamente, sem público, sem retorno. Sinto a solidão das palavras que se perdem lentamente, sem ninguém que as escute.

“Nós, por cá …”

Cada vez, somos menos nós e mais, eu e ele. Cada vez mais, menos temos em comum, não os interesses, que esses não mudaram, mas o tempo de os apreciar, o tempo de fazer coisas em conjunto, de rir da loucura do outro.
Somos duas sinusoidais desfasadas e de frequências diferentes. Ocasionalmente encontramo-nos, cruzamo-nos, mas a maior parte do tempo sabemos apenas que o outro existe.
Porque deixei a minha vida chegar a tal ponto? Porque estava distraída, preocupada com pequenos detalhes e não conseguia enxergar a totalidade. Porque achava que tudo estava seguro, que a argamassa era forte e que a casa nunca desabaria. E a argamassa era forte, sim, mas os tijolos eram fracos e foram-se tornando em pó, deixando unicamente um rendilhado do que outrora foram as suas juntas.
Sinto a tua falta, a forma como sempre conseguiste fundir-te connosco, aproximando tudo e todos ainda mais.

“…por cá…”

Temos por cá belas auroras boreais, salmão de óptima qualidade, frio que dispensa frigoríficos, belos homens louros de cativantes olhos claros! Temos por cá paisagens de beleza tão pura que até dói a vista, que até fere a alma.

“Nós…”

Faz-me uma visita, só assim o “nós, por cá” fará sentido de novo. Preciso de ti, preciso do teu abraço, preciso da tua amizade, da tua companhia, do teu calor para derreter estas neves eternas que teimam em cair em avalanche sobre a minha alma.
Da tua amiga que nesta altura te quer mais do que a ela própria.

Madalena

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