terça-feira, março 23, 2004

Amigo

Olá Amigo

Se a vida fosse simples, não teria metade da graça que tem, isso tenho por certo. Mas sei que também não teria metade dos problemas, das dores ou angústias.

Se em cada momento tivéssemos certezas de tudo, saberíamos sempre o nosso caminho, mas onde ficariam a surpresa, a espontaneidade, onde ficaria a emoção da descoberta?

Não tenho certezas absolutas, sei o que sinto em cada momento, não sei se daqui a alguns anos pensarei da mesma forma, sentirei com a mesma intensidade, com as mesmas cores.

As questões que me colocaste são extremamente pertinentes, e só provam a ideia que tinha de ti, de alguém com uma sensibilidade especial e uma boa capacidade de avaliar situações.

Talvez seja como tu dizes, alguém com alguma experiência de vida.

Muitas são questões que eu já me coloquei, que já me foram colocadas, ou que nos colocamos mutuamente. São assuntos debatidos, muitas vezes aceites em teoria, mas que sabemos que só a pratica e a vivência de situações permitirá ter certezas.

Conseguir debater uma situação, sem cometer o mesmo erro, isto é, sem revelar questões que não são só minhas, é extremamente difícil, quiçá impossível.

Sempre me coloquei por inteiro no que faço, e acabei por ter a mesma postura na net, esquecendo que esta é uma realidade diferente, realidade feita de reflexões disformes em espelhos espalhados, em que cada um vê o que quer ver, em que cada um mostra o que quer mostrar.

Tenho gostado imenso de falar contigo, já tinha deixado de ser meu hábito ficar até de madrugada na "conversa". Acho que o que me atraiu nesta forma de utilização da internet são as conversas que eu não me imagino a ter cara a cara, por timidez, decoro, falta de oportunidade, tempo, e sei lá o que mais.

E depois de descobertas estas conversas, é difícil abdicar delas. E ás vezes ficamos presos a um ecran vazio à espera que algo se mostre, porque nos apetecia mais do que trabalho, mais do que um livro. Apetecia-nos espreitar directamente para o interior de outro ser, apetecia-nos deixar que alguém compartilhasse o que nos vai na alma.

Apetecia-nos observar a vida por uns outros olhos, saber de outras experiências.

Os momentos são raros, mas por vezes acontecem. Desenvolvem-se cumplicidades, atracções, dependências, ideias de sentidos ocultos, destinos ... uma miríade de sensações porque naquela conversa estamos a colocar tudo o que desejaríamos sentir nesse momento.

Fui escrevendo isto, no meio de descrições de portas e janelas, tijolos e argamassas... saltando entre janelas. E é também isto que me atrai na net, a inspiração para a escrita, para a reflexão, sozinha ou acompanhada.

E o poder deixar fluir as sensações, poder ser suficientemente louca para falar sério, ou demasiadamente ajuizada para poder brincar, para me poder deixar levar, simplesmente, ao sabor de uma frase, de uma palavra. Buscar as imagens, brincar com elas, adorar escrever, adorar ver o efeito das palavras, em mim e nos outros.

Tens aqui um espelho de mim, nesta altura, neste momento. Espelho fiel nunca será, basta que a inclinação mude para que o que mostre já seja diferente. Vale pelo que vale. Para mim vale essencialmente pelo prazer que me deu.

Um beijo

Amiga

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