quarta-feira, novembro 19, 2003

Uma folha de papel em branco

(do meu baú, ainda a propósito dos sonhos e de Morfeu)

Uma folha de papel em branco. A indecisão. O que escrever? Sobre o que escrever? Dizem que o mais difícil é começar. Não é verdade! Tantos inícios tenho eu perdidos por folhas meias brancas de papel. Tantas ideias afloradas que nunca chegaram a ser desenvolvidas. Tantos inícios que não chegaram mesmo a ser ideia, a ser projecto.

Não consigo definir bem esta minha necessidade de escrever. Não é pela história que quero contar, não tenho à partida uma história. Acho que é pela necessidade de falar comigo própria, de me compreender, de entender os meus sonhos e os meus pesadelos.

Quantos livros já eu escrevi nas longas noites de insónia, mas cuja recordação foi varrida pelos primeiros raios de sol da manhã. Quantas sensações novas já eu experimentei naquele ponto intermédio de consciência, em que não estamos adormecidos mas também não totalmente despertos, em que o sonho (ou pesadelo) surge involuntariamente mas cujo controlo, a partir de determinado momento já é nosso.

Penso que os sonhos foram criados para nos proporcionarem sensações e conhecimentos que de outro modo poderíamos não experimentar na nossa vida. Nos sonhos é-nos possível experimentar sensações em graus de intensidade que acordados não conseguiríamos ou não teríamos oportunidade. Medo absoluto e paralisante, felicidade completa…

Ainda me lembro, com mais clareza do que fossem hoje, de alguns sonhos que tive em criança, de algumas imagens associadas a esses sonhos.
Sei que muitos deles me tornaram mais rica, me permitiram crescer e assimilar etapas de desenvolvimento. Sei que outros foram unicamente uma ida ao cinema para ver um filme "fast-food" de ingestão fácil e digestão rápida, sem mais consequências.
Os meus sonhos permitiram-me conhecer o medo, o pavor e a lidar com eles. Permitiram compreender e aceitar a morte e a vida.

Na escuridão da noite, na semiconsciência do sono, as coisas ganham uma dimensão diferente, conceitos podem tornar-se entidades palpáveis, objectos podem ter vida própria.
No sonho reinterpretámos a nossa vida, como se um, ou a outra fossem representações teatrais feitas ao gosto e para prazer de seres superiores.

Gosto de escrever, gosto como as palavras se encadeiam naturalmente, gosto como as ideias fluem ao sabor do lápis.
Quando escrevo restrinjo necessariamente a amplitude do pensamento. A mão não é suficientemente rápida e funciona num único nível. A escrita mental, que faço em noites de vigília é como um labirinto tridimensional, cheia de pequenos caminhos que se cruzam, de becos que não vão dar a sítio algum e que obrigam ao retrocesso, de atalhos que fazem o salto entre dimensões. Nesses estados de semiconsciência é possível que o irreal seja a mais concreta das realidades. E essa ginástica mental é impensável no nosso dia a dia.
Tudo isto começou porque eu queria escrever e não sabia, e não sei, sobre o quê. Sinto uma necessidade incrível de escrever e ao mesmo tempo uma dificuldade extrema em o fazer sistematicamente.

Gosto de escrever reflexões curtas, e a escrita deve ser, antes de mais, uma questão de prazer próprio, de satisfação de anseios. Se o que daí resultar for algo cuja leitura possa trazer algum beneficio, ou prazer, para os outros, tanto melhor. Senão, o próprio prazer de escrever estas, e outras linhas, é mais do que suficiente.

30/07/2000

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